Anualmente, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para incentivo à pesquisa no Brasil, concede bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ). A bolsa, que foi criada em 1976, é destinada aos pesquisadores que se destacam entre seus pares e tem o objetivo de valorizar a produção científica no país, sendo o mais tradicional instrumento de apoio à pesquisa da instituição.
Este ano, a Dra. Clarissa Gama, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP, foi a primeira mulher a se tornar pesquisadora 1A na área da psiquiatria, o nível mais alto de todos. Além de ter uma experiência de mais de 20 anos com psiquiatria clínica, em sua carreira destacam-se os estudos sobre transtornos psiquiátricos graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar.
A ABP orgulha-se de ter a doutora em seu corpo associativo e parabeniza por mais essa conquista! Confira abaixo a entrevista com a Dra. Clarissa sobre sua trajetória científica.
1- Dra. Clarissa, qual é o sentimento em ser reconhecida pela sua produção científica e ser a primeira mulher psiquiatra a ser pesquisadora nível 1A?
Ser reconhecido por aquilo que a gente faz sempre é muito gratificante. Nesse caso é mais gratificante porque o reconhecimento mostra que o que você está fazendo faz sentido, que outras pessoas corroboram o que você diz, mostra que tem um grupo grande que pensam da mesma forma.
Sendo mulher, eu vejo que o desafio é um pouco maior porque a sociedade é estruturalmente montada de uma maneira que, ainda nos dias de hoje, as mulheres têm mais dificuldades para conseguir posições hierarquicamente altas, quando comparadas aos homens. Então, eu me sinto muitíssimo gratificada porque tem um grupo grande junto que ajuda a formar esse reconhecimento. Esse reconhecimento não é apenas individual, mas de inúmeras outras pessoas. Eu espero que isso sirva de inspiração tanto para mulheres quanto para os homens, para que a gente continue fazendo coisas em benefício das pessoas.
2- As suas pesquisas são dedicadas aos transtornos psiquiátricos graves que trazem diversos prejuízos aos pacientes, como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Qual é a importância das suas descobertas para a Psiquiatria, qual é o legado?
Sobre os transtornos psiquiátricos graves, as pesquisas que eu venho desenvolvendo estão alinhadas com diversos outros pesquisadores e mostram que esses transtornos, quando não são bem tratados ou são tardiamente reconhecidos, podem ter um prejuízo maior em relação à funcionalidade do indivíduo e, também, na efetividade e no custo do tratamento.
Resumidamente, as pesquisas mostram que os transtornos mentais graves precisam ser tratados precocemente e que precisamos enxergar que os transtornos psiquiátricos maiores são doenças sistêmicas. Eles atingem predominantemente o cérebro, mas o adoecimento acontece no corpo inteiro.
3- Atualmente a senhora se dedica ao atendimento clínico, à pesquisa e à orientação de doutorandos. Como conciliar todas essas atividades?
A minha vida de trabalho atualmente se divide entre ensino, assistência e pesquisa. Sou professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no departamento de Psiquiatria e Medicina Legal; tenho atividades com alunos do curso de Medicina e, também, no Hospital Universitário, onde trabalho dando supervisão aos residentes de Psiquiatria. Nós também desenvolvemos pesquisas para a formação de alunos de doutorado, pós-doutorado, mestrado e iniciação científica. Fora isso, eu também atendo no meu consultório particular.
Eu acho que existem algumas maneiras de conciliar todas essas atividades, como ter foco, horários, organização, uma certa disciplina. Mas a principal é ter momentos de descanso, que ajudam a gente a produzir, a ser mais efetivo. Então, eu sempre priorizo não ter atividades de trabalho aos finais de semana.
4- No seu ponto de vista, quais são os desafios que a ciência ainda enfrenta no Brasil?
Os desafios são muitos. O Brasil é um país cuja economia está predominantemente baseada na exportação de produtos primários, as commodities. E o que eu quero dizer com isso? Que o nosso país incentiva muito pouco a produção de conhecimento.
Com isso, de uma forma geral, existe muito pouco incentivo à pesquisa e o grande marco disso é que no Brasil não existe uma carreira de pesquisador. Quem faz pesquisa no Brasil são, majoritariamente, professores universitários, que dividem suas carreiras com inúmeras outras coisas além da pesquisa, porque o professor atualmente ensina, faz trabalhos de extensão em comunidades e, também, suas atividades fora da universidade. Ou seja, acaba não agregando jovens talentos para seguir esse tipo de carreira. Então, o grande desafio é esse: a inexistência de uma carreira de pesquisador no Brasil.
5- A senhora poderia deixar uma mensagem de incentivo a outras mulheres cientistas que queiram se destacar no país?
A grande mensagem não só para as mulheres, mas também para os jovens e para as pessoas que têm esse objetivo de produção de conhecimento: se você tem o seu foco, não desista! Procure sempre também o aconselhamento dos seus pares, porque inclusive é por isso que o CNPq faz o reconhecimento de pares.
No caso das mulheres, a minha mensagem de "não desistir" é ainda mais forte, porque existem obstáculos que são ainda maiores do que para os homens. Então, mantenha o foco e siga em frente!
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